Enzo tinha certeza de que jamais seria notado, pelo menos não pelo tipo de homem que ele gostava.
Pessoalmente, ele preferia admirar a uma distância segura, criando cenários de como ele conheceria O CARA que viraria sua vida de cabeça para baixo, tal como nos animes que assistia.
Agora, nas redes sociais, era outra história. Enzo se tornava outra pessoa. Deixava, em forma de comentários, os seus pensamentos mais devassos — apenas em postagens cujo intuito era exatamente biscoitar e receber comentários sedentos, consentimento é tudo — ele escrevia: “Que lindo! Que fofo! Subarashi! Fofis!”e ria de si mesmo.
Ele podia passar horas se deleitando em fotos de "ursos" e delirando de amores por pessoas que jamais notariam sua existência.
Essa era a atual vida amorosa de Enzo, que nunca encontrou nenhuma ação e, no auge de seus 26 anos, possivelmente nunca encontraria.
Enzo, além de tímido, era "alto demais" e "magro demais", era também um fracasso acadêmico. O pacote completo.
O fracasso de Enzo consistia em que, apesar de muito esforço, suas notas mal davam para salvar seu pescoço ao término de cada período letivo.
Para compensar, ele se dedicava com afinco aos projetos e pesquisas. Ele estava indo apresentar seu trabalho na Semana da Integração: Ensino, Pesquisa e Extensão em Diamantina, e o dia estava perfeito para admirar algum homem gordinho, melhor ainda se barbudo, se for peludo então!
Enquanto se perdia em suas fantasias com cenas um tanto quentes para aquela hora da manhã, Enzo não percebeu alguém se aproximando.
Ele estava esperando pelo avaliador, o único que faria algum questionamento relevante sobre a pesquisa. As outras pessoas apenas passavam pelo seu banner; poucas se davam ao trabalho de ler. Enzo sabia que estava bem feito e autoexplicativo; ainda assim, era frustrante não poder compartilhar com sua própria voz algo a que ele havia se dedicado tanto.
— Bom dia? — disse um rapaz à sua frente.
"Ele é perfeito!" Enzo começou a analisar cada parte daquele espécime divino. O rapaz era menor que ele, batendo na altura de seus peitos. "Que delícia!" O cabelo era cacheadinho, tipo 3c, castanho-claro, e, quando o sol batia no ângulo propício, parecia uma auréola. "Como um anjo!" E os olhos... "Que olhos!" Eram cor de mel e amendoados, "meigos", e a boca... estava se mexendo! "O que ele perguntou, meu Deus?"
— Bom dia! O-o que deseja saber sobre o trabalho?
— Nervoso? — O rapaz riu de leve, levando a mão à boca para cobrir o sorriso, mas Enzo notou a covinha agraciando sua bochecha.
— Está tão na cara assim? — Enzo baixou a cabeça, envergonhado. "Lá se vai mais um que eu vou perder antes de flertar."
— Não mesmo! Mas quem não ficaria em um evento desses, né? Eu sempre tenho ânsia de vômito antes de uma apresentação! Ha ha! — O rapaz disse, mas Enzo sentiu que era mais para ajudá-lo do que a verdade.
"Certeza que ele é das artes, cênicas ou música. Espera! Pergunta pra ele! Vai, respira fundo, é só perguntar!"
— Então, o que eu poderia elucidar a respeito do meu trabalho? — "Não!" Toda vez que Enzo tentava flertar cara a cara, ele entrava no seu "modo super culto" para ocultar o nervosismo.
O rapaz inclinou um pouco a cabeça. "Adorável!" Levantou um pequeno caderno e leu: — Por que escolheu esta forma de abordagem para esse conteúdo?
"Oh." Por essa, Enzo não estava esperando. O rapaz havia lido e se interessado pela pesquisa, a ponto de anotar questões.
— É... porque eu gosto muito de histórias em quadrinhos. — Enzo respondeu, coçando a nuca, com um sorriso tímido. — Daí, eu decidi abordar junto um assunto relevante para a comunidade. Duas coisas importantes para mim, unidas em um só projeto!
— Que bacana. Eu nunca teria a ideia de utilizar uma HQ para debater os impactos socioambientais da plantação de eucaliptos! Eu sou da Engenharia Agronômica, mas confesso que sou meio desligado desses assuntos de política ambiental. — O rapaz admitiu, enrubescendo.
"Suas orelhas e bochechas ficaram ainda mais mordíveis!" — Enzo pensou, distraído.
— Ah! Esqueci de me apresentar. Eu sou o Gabriel Duarte. — Ele riu e olhou para Enzo de uma forma que ele não sabia explicar, como se quisesse dizer algo que Enzo ainda não sabia discernir.
Gabriel desviou o olhar e começou a ler a próxima pergunta em seu caderno.
— Então…
— Até o nome é de anjo!
Ambos disseram ao mesmo tempo.
— O quê? — Gabriel sorriu com curiosidade.
— Meu nome é Enzo Miguel de Almeida! É isso que eu ia... dizer...
— Eu sei, está escrito no banner. — Gabriel sorriu mais uma vez, e Enzo sentiu seu coração descompassar. "Isso é diferente..."
— De volta à pergunta… A pesquisa foi realizada na comunidade quilombola Almas. Alguma razão para essa em específico? Proximidade com o campus ou...?
— É a minha casa! — Enzo respondeu, estufando o peito. — Minha mãe tem um pedacinho de terra, onde a gente está tentando introduzir o cultivo de café, mas a seca tem dificultado a produção, e a escassez de água está ligada ao plantio compulsório e predatório do eucalipto na região.
— Que bonito... — Gabriel limpou a garganta. — Quero dizer, o projeto é bonito. É ainda mais interessante do que eu imaginei que seria.
Enzo ficou envergonhado pela milésima vez, mas seu coração estava quentinho. Olhando nos olhos de Gabriel, ele sentiu algo como um "finalmente".
— Bem, meus parabéns, mestre Enzo.
— Mestre?! — "Mas eu sou graduando?"
— Pensei em te chamar de senpai, mas seria otaku demais. — Gabriel deu um sorriso matreiro que fez o coração de Enzo acelerar. Ele definitivamente iria escrever sobre isso mais tarde. — É porque eu também gosto muito de quadrinhos, principalmente mangás.
"Que fofo! Aaaaah!" — Enzo já estava ouvindo os sinos da igreja e planejando o casamento. "Ele é perfeito!"
— B-bem, otakus se reconhecem de longe?! — Enzo brincou, utilizando sua última gota de coragem para flertar com o Gabriel. "E nem foi um bom flerte!"
Antes que Gabriel pudesse responder, o avaliador chegou. Ele deu um passo para trás, acenou com dois joinhas e sussurrou: "Boa sorte!" Com uma piscadinha, ele foi embora. "Levando o meu coração", Enzo pensou dramaticamente, antes de voltar para seu "modo super culto" e apresentar seu trabalho uma última vez naquele dia.
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